As Setenta Semanas de Daniel 9 – Um Estudo Exegético

As Setenta Semanas de Daniel 9: Um Estudo Exegético


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Jacques Doukhan é Professor de Hebraico, Professor de Exegese do Antigo Testamento e Diretor do Instituto de Estudos Judaicos-Cristãos na Andrews University. Autor de diversos livros como “The Mystery of Israel,” “On the Way to Emmaus”, “Israel and the Church;” escreveu, também, a Lição da Escola Sabatina de Provérbios do 1º Trimestre de 2015.


Tradução: Hugo Martins.

Tradução do artigo publicada com autorização expressa do autor. O original, em inglês, pode ser acessado no site do repositório da Andrews University.


Os problemas em relação a exegese de Daniel 9:24-27 são de dois tipos. Eles têm a ver com (1) a dificuldade do texto e (2) a multiplicidade de interpretações surgidas.

Acerca do primeiro problema, a profundidade da passagem, a extrema singularidade de seus termos e expressões e a complexidade de sua sintaxe constituem obstáculos sérios. Além disso, as importantes divergências entre as duas versões básicas como aparecem na LXX [Septuaginta] e em Teodócio não nos permitem chegar a quaisquer conclusões definitivas em relação ao texto. A versão de Teodócio está, aqui, mais clara e seu texto tende a dar suporte ao TM [Texto Massorético]; mesmo onde diverge desse último (e.g., na pontuação em relação a contagem das semanas), é a única oposição ao TM. No que diz respeito a Peshitta, parece ter sido revisada baseando-se na LXX em muitos pontos e eu hesito, portanto, em considerá-la como uma testemunha independente como a LXX. (Em todo caso, o texto aparenta estar alterado nesta passagem em particular da Peshitta, pois podemos notar diferenças tanto da LXX quanto do TM).

Acerca do segundo tipo de problema, a variedade de aplicações teológicas pode ser, a grosso modo, dividida em três categorias:[1]

  1. A Interpretação Simbólica. Primariamente, por causa da referência na passagem, os números, em particular, 7, 3, 70, etc., a profecia tem sido vista por alguns eruditos como sendo um mero poema, concernente, principalmente, com uma Heilsgeschichte dividida em três passos. A primeira parte (7 semanas[2]) começa com a vinda de Ciro (538 A.E.C.) e vai até o primeiro advento; a segunda parte (62 semanas) vai até o segundo advento e cobre a história da igreja visível; e a última parte (1 semana) cobre o período de tribulação e está relacionado à igreja invisível.
  1. A Interpretação Dispensacionalista. Teólogos dispensacionalistas têm, também, visto a profecia como uma história de salvação dividida em três partes. A primeira parte inclui as 69 semanas que são compreendidas como semanas de anos. Algum interpretam isto como significando um período de 476 anos que vão do segundo decreto de Artaxerxes em 445 A.E.C. até 32 E.C., alegado como o ano da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e o ano da Sua morte.[3] Outros, com um ponto de vista diferente, sugerem um período de 483 terminando em 26 E.C., a data aceita como a do batismo de Jesus.[4] Nesse caso, a última semana tem sido realocada para tempo do fim em conjunto com o segundo advento de Cristo. A era da igreja vem entre os dois períodos.

 

  1. A Interpretação Crítico-Histórica. Defensores desta posição sustentam que as profecias de Daniel descrevem os eventos do tempo de Antíoco Epifanes e foram escritos após os eventos como um registro, não como uma predição. O intervalo de tempo coberto por esta “profecia” é reconhecido em termos de semanas de anos e está dividido em três partes. Um exemplo típico da cronologia nesta visão é que as primeiras 7 semanas (49 anos) começam com a queda de Jerusalém (587/586 A.E.C.) e vão até a queda da Babilônia no decreto do “Messias” Ciro (539/538 A.E.C.); então, seguem-se as 62 semanas (434 anos), que vão até o assassinato de Onias III (171/170 A.E.C.); e finalmente, vem a última semana (7 anos) que é concluída pela rededicação do Templo profanado por Antíoco Epifanes no meio desta semana.
  1. A Interpretação Histórico-Messiânica. Esta é considerada como a interpretação tradicional cristã. Ela tem sido defendida pelos pais da igreja e é, ainda hoje, adotada por eruditos protestantes e católicos.[5] As primeiras duas divisões das setenta semanas (7+62) começam no sétimo ano de Artaxerxes e termina no ano do batismo de Jesus. A última semana é dividida em duas partes, a primeira terminando na crucifixão de Cristo e a última no apedrejamento de Estevão. (Datas fornecidas por alguns eruditos para esses eventos são 457 A.E.C. e 27, 31 e 34 E.C. respectivamente).

Esta situação de um texto complicado, acrescentado por uma diversidade de interpretações, tem me levado a uma nova investigação que utiliza avanços recentes no estudo das formas literárias antigas. Nesta investigação, eu presto atenção na informação literária do texto em si.

Na presente análise, procederei de dentro do texto, considerando, primeiro, o arranjo ou a situação contextual do livro de Daniel como um todo, assim como o cap. 9. Em seguida, analisarei a estrutura literária intencionando seguir o curso do discurso e compreender as nuances específicas de pensamento. Então, mencionarei e discutirei alguns dos termos e expressões mais significantes. E finalmente, tentarei descrever algumas das dimensões teológicas desta passagem das 70 semanas de Daniel 9. Nesse meio tempo, eu, ocasionalmente, farei alusão a interpretações que mencionei anteriormente, intencionando indicar o quanto estão elas correlacionadas com a exegese que a análise textual nos permite trabalhar; ainda que essas referências sejam, normalmente, apenas incidentais, permitindo ao leitor traçar inferências específicas.

  1. A Estrutura Contextual

 De um ponto de vista teológico, literário e, até mesmo, linguístico, esta profecia é um dos foci mais importantes no livro de Daniel. A passagem ecoa a muitos temas disseminados pelo livro, ainda que seu próprio contexto imediato se encontra no cap. 9.

A Estrutura no Livro de Daniel

Folheando o livro de Daniel –ao menos a parte profética concernente a um futuro distante– nos deparamos com um número de estruturas em comum. As conexões entre os capítulos 2, 7, 8, 10 e 11 são, de imediato, evidentes. Elas lidam com as mesmas questões que podem ser vistas identificando temas em comum: quatro reinos –o primeiro (2:32a, 37- 38; 7:3-4), o segundo (2:32b, 39a; 7:5; 8:3, 20; 11:2a), o terceiro (2:32c, 39b; 7:6; 8:5, 21-22; 11:3-15) e o quarto (2:33, 40; 7:7, 19; 8:23-25; 11:16-22)– seguidos pela perseguição ao povo de Deus (7:25; 8:24; 11:31-35), um tempo do fim (2:45; 7 26; 8:19, 25; 11:35,45), etc. Referindo-se a temas similares com fazem a esses capítulos, podemos esperar deles o emprego de uma linguagem similar. Este fenômeno evidencia a forte unidade do livro, o inter-relacionamento entre as suas partes[6] e provê um ponto de referência para conduzir-se a exegese.

Daniel 9:24-27 está conexa com o restante do livro, mais diretamente com o capítulo 8. Capítulo 8 é, de fato, o único capítulo que partilha de temas em comum com todas as visões de Daniel, incluindo aquelas dos capítulos 9 e 12. (Compare, e.g., 8:3,20 com 2:32b, 2:39a, 7:5 e 11:2a; 8:5,21-22 com 2:32c, 2:39b, 7:6, e 11:3-15; 8:23-25 com 2:33, 2:40, 7:7, 7:19, e 11:16-22; 8:25 com 11:22; 8:11 com 11:32 e 12:11; 8:13 com 12:7; 8:24 com 12:8; 8:26 com 12:9; etc.)

É significativo que a maioria dos termos e expressões em nossa passagem que aparecem em outras partes de Daniel são encontrados apenas nos capítulos 8, 10, 11 e 12; isto é um indício de que esses capítulos constituem uma unidade específica. Junto aos temas e termos em comum, podemos, também, notar uma ligação interna e significante entre os capítulos 8 e 9. Umas das expressões mais destacáveis e características nesta parte do livro aparece através do uso do verbo bîn e sua forma derivada hēḇîn (“entender” e “levar ao entendimento” respectivamente). Ocorre pela primeira vez no capítulo 1, em correlação a habilidade de Daniel de “entender” a visão. Devemos, então, esperar até o capítulo 8 pelas próximas ocorrências. Desse ponto em diante, é usada repetidamente até o fim do livro.[7]

Mas o modo como este termo é usado nos capítulos 8 e 9 é intrigante: aparece, primeiramente, como um particípio em 8:5, logo antes da menção do bode, onde tem uma conotação positiva desde que Daniel entende o significado.  Posteriormente, no verso 15, aparece como um substantivo como parte de uma questão onde Daniel pede por entendimento (bînāh). Os próximos dois usos pertencem ao mesmo evento. Uma voz chama Gabriel: “Dá a entender a este a visão” [(hāḇēn), Dn 8:16]. Então, como um eco, Gabriel se dirige a Daniel com a mesma forma imperativa (hāḇēn): “Entende, filho do homem, pois esta visão se refere ao tempo do fim.” Portanto, a resposta do anjo é limitada. Daniel pede para entender a visão. E o anjo diz: “saiba que a visão se refere [apenas] aos tempos do fim” (Dn 8:17). Mas a chave para a visão não é dada. A visão é um enigma (ḥîdāh). É acidental que o uso seguinte de hēḇîn (ver Dn 8:23) esteja relacionado com este termo “enigma”? Esta associação, em particular, aqui, parece significativa.

Na visão anterior, não é de se surpreender que o próximo, e final, uso de mēḇîn no capítulo 8 é um uso negativo: “Não havia quem a entendesse,” encerrando o capítulo 8 com essas palavras.

A Estrutura de Daniel 9

O modo como Daniel 9:1-2 usa o mesmo termo é, também, significante: “No primeiro ano de Dario … eu, Daniel, entendi [bîn].” É desse modo que a linha de pensamento se encontra no capítulo 8 com o último verbo do capítulo 8 sendo, também, o primeiro verbo do capítulo 9. Mas o capítulo 8 termina com um tonicidade negativa – “Espantava-me com a visão, e não havia quem a entendesse,” logo, encontrava-se em expectativa. Agora a tonicidade é positiva (“Daniel entendeu”), pois o que será tratado em Daniel 9 tem que ser feito em conjunto com Daniel 8, como a continuação deste, isto é, como a sua resposta.

Esta primeira ocorrência de hēḇîn ou bîn no capítulo 9 é usada para mostrar que Daniel estava pesquisando nos livros para “entender” a profecia dos 70 anos de Jeremias. Então, o próximo uso encontra-se no v. 22, anunciando a revelação das 70 semanas. Este uso sugere uma espécie de “ponte interna”, não apenas entre as duas profecias mencionadas em Daniel 9 (70 anos e 70 semanas[8]), mas, também, com Daniel 8. Além do mais, é significante que último verbo a ser usado pelo anjo em Daniel 9:23 para introduzir a profecia das 70 semanas seja a mesma forma imperativa (hāḇēn) de Daniel 8:17, onde o anjo introduz a sua resposta ao pedido de Daniel concernente ao tempo preciso das 2300 tardes e manhãs.[9] É como se o uso na referência às 70 semanas colocasse essa profecia das 70 semanas diretamente na mesma perspectiva e contexto que a precedente e “incompleta” revelação a Daniel, a profecia das 2300 tardes e manhãs no capítulo 8.

Se a primeira revelação (o hāḇēn de 8:17) aponta para o tempo do fim deste período em particular, então hāḇēn (v. 23), que introduz a profecia das 70 semanas,[10] sugere a ideia de dado complementar não encontrado no capítulo 8 e que deixou Daniel ’bên mēḇîn (“sem entender”) –a saber, o ponto inicial deste período.

Se a profecia de Daniel 8 (ḥāzōn) aponta para tempo do fim, e se a profecia das 70 semanas indica seu marco inicial, então, o período das 70 semanas, que não vai até o fim, deve ser entendido como um segmento menor o que a primeira profecia. Desse modo, podemos interpretar o hapax legomenon ḥtk como corte, uma parte de algo ainda maior.[11] Portanto, o período em Daniel 9 é uma parte de um todo. Desse modo, o contexto deve ser levado em consideração aqui.

As primeiras palavras em Daniel 9 apontam a um contexto histórico que é bastante preciso: a saber, o primeiro ano de Dario, 538/537 A.E.C. Nesse momento, Daniel está preocupado com o fim do cativeiro que parece ser duradouro. Ele consulta os livros e se depara com o fato que, de acordo com a palavra do Senhor a Jeremias, “o número de anos … que haviam de durar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos” (Dn 9:2).[12] O fim deste período está próximo e pode-se compreender, portanto, a tensão e o interesse de Daniel neste assunto.

A introdução e a conclusão deste capítulo (vv. 1-4 e 20-27) relatam a mesma indagação: a primeira concernente ao tempo envolvido e a outra lida com o mesmo número “70”. O fato que este mesmo número é usado tanto no início quanto no fim do capítulo é significativo. Pode-se ver uma correlação interna entre as duas neste uso, como vê o exegeta francês P. Grelot, que entende o número como se referindo ao ano sabático (7×10) e ao jubileu (7x7x10) respectivamente.[13]

Grelot baseia a sua interpretação em 2 Cr 36:20-22, onde a profecia de 70 anos de Jeremias é interpretada em termos do princípio levítico do ano sabático. Esta passagem cita Lv 26:34 e 43, sendo o termo chave em comum šmm (“desolado”). É, também, significativo que este termo é um dos termos-chave de Daniel 9, aparecendo cinco vezes no capítulo (uma vez nos vv. 17, 18 e 36; duas vezes no v. 27).

Até este ponto, a exegese de Grelot é válida. As três passagens de Crônicas, Jeremias e Daniel esclarecem umas às outras. Mas quando Grelot trata da interpretação dos 70 anos, ele escorrega no número 70 em si, ou 7 x 10. O significado simbólico o leva a uma interpretação exclusivamente simbólica.[14] No entanto, Grelot está certo, acredito eu, em apontar significado profundo por detrás do uso deste número em particular, a saber, 7 x 10 como uma referência ao ano sabático.[15]

Se a introdução e a conclusão de Daniel 9 lidam com as mesmas questões, –a salvação de Israel e o número 70– entende-se que os dois períodos de tempo (70 anos na introdução e 70 semanas na conclusão) devem pertencer à mesma essência. Ambos são históricos e apontam ao princípio levítico. O segundo período se refere ao Jubileu (7 x 7 x 10), assim como o primeiro período se refere ano sabático.

Além do mais, o uso da unidade “semanas” em Daniel 9 apoia esta referência indireta ao princípio levítico. “A noção de uma ‘semana’ parece ter sido sugerida, implicitamente, baseando-se nos períodos de sete-dias e sete-anos culminando em um ‘Shabbat’ (Lv 25:2-4; 26:33).”[16] Entende-se que assim como Jeremias predisse os 70 anos de desolação da perspectiva do ano sabático, Daniel estrutura a sua profecia da perspectiva do Jubileu. Além do mais, desde que Daniel coloca sua profecia na perspectiva de uma extensão da profecia histórica de Jeremias, significa que Daniel, também, se refere a um evento histórico.

Esta conclusão tem implicações importantes em termos de história e teologia: (1) A profecia das setenta semanas deve ser interpretada considerando a história de modo realística assim como Daniel considerou a profecia de Jeremias.[17] (2) O evento o qual as 70 semanas aponta recebe uma dimensão teológica; tem a ver com o Jubileu, assim como a profecia de Jeremias tem algo a ver com o ano sabático.[18]

Portanto, a introdução e a conclusão do capítulo 9 expressam a mesma questão básico no que se relaciona ao significado levítico do número 7. Entre as duas, todavia, o autor coloca uma oração que revela seu pensamento principal.[19] Daniel está preocupado acerca do pecado de seu povo o qual ele relaciona ao exílio (Dn 9:5, 7, 16). Ele clama a Deus e pede a Ele para intervir com sua misericórdia e perdão. Ele ora por Jerusalém –portanto, pelo santuário– que pode recuperar seu significado e sua glória do passado (Dn 9:17-19).

Esta oração de “confissão” e “súplica” (Dn 9:20), Deus responde, por meio de Gabriel: “No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque és mui amado; considera, pois, a coisa e entende a visão” (Dn 9:23).

Portanto, os elementos na resposta de Deus vêm como uma resposta direta ao pranto, em particular, de Daniel. Está Daniel preocupado com o pecado do povo? Deus faz conhecido a ele que dentro de um certo tempo o pecado será expiado e a justiça virá por toda a eternidade (Dn 9:24). Está Daniel preocupado com o destino de Jerusalém? Deus responde que dentro de certo tempo uma ordem será dada para a edificação da Cidade e que, em seguida, será destruída e devastada por uma guerra (vv. 25-26).

Se a vinda de um Messias, um ungido, está compreendida na mesma visão, é porque ele tem algo a ver com essas duas respostas: (1) o papel que ele toca na expiação dos pecados encontra-se referido de um modo significativo: Ele aparece, diretamente, no primeiro ato da visão que diz respeito à expiação; e, portanto, a vinda do Messias elucida a referência no v. 24 à expiação do pecado e a justiça eterna. (2) Considerando o destino de Jerusalém, a questão se torna em prover uma indicação pela qual as datas da vinda do Messias e da Sua morte na história podem ser determinadas. O destino de Jerusalém é usado nesta conexão como um ponto de referência (vv. 25-26).

É neste contexto que se deve compreender as primeiras palavras da profecia: “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade.” A visão tem duas vertentes: a primeira concernente ao povo, encontra-se no âmbito do homem e falará de expiação e salvação. A segunda diz respeito a Cidade Santa, Jerusalém; encontra-se no âmbito do espaço e da história e falará de construção e destruição. Ambas têm algo a ver com o mesmo período de tempo: 70 semanas.

Além do mais, a oração de Daniel foi em preocupação com o povo e com Jerusalém. É de se esperar, portanto, que a mensagem de Gabriel enviada por Deus devesse estar relacionada a ela. Isto nos leva adiante a uma consideração da estrutura literária em Daniel 9:24-27.

  1. A Estrutura Literária

 De um ponto de vista literário, é de se maravilhar pelo fato que há, nesta passagem, uma oscilação entre dois polos –a saber: (1) o povo e seus pecados; e (2) Jerusalém com seu santuário. A natureza dupla desta profecia encontra-se evidente no prelúdio (v. 24), assim como no corpo e na visão em si (vv. 25-27).

O Prelúdio

A natureza dual do sujeito desta profecia está sugerida no prelúdio por meio das seguintes combinações como determinadas por seu paralelismo:

Setenta semanas estão determinadas[20]

Sobre o teu povo

‘al-‘ammeḵā                           (2 termos)

 

sobre a tua santa cidade

       we‘a1 ‘ir qodšekä                   (3 termos)

(1)   para fazer cessar a transgressão

        lekallë` happeša‘               (2 termos)

 

(1) para trazer a justiça eterna[21]

       ûlehāḇî ṣeḏeq ‘ōlāmin            (3 termos)

(2) dar fim (ḥtm) aos pecados

        ûlehätēm ḥaṭṭāôṯ                    (2 termos)

 

(2)   para selar (ḥtm) a visão e a profecia

       welātōm hāzôn[22] wenāḇî        (3 termos)

 

(3) para expiar a iniqüidade

       ûlehäppēr ‘āwōn                    (2 termos)

 

(3)   para ungir o Santo dos Santos

welimšōaḥ qōḏeš qoḏāšîm   (3 termos)

Os dois temas do poema estão primeiramente destacado: “sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade.” As primeiras três estrofes encontram-se no ritmo de dois termos cada.[23] A reflexão trata a respeito do pecado e do perdão, noções que Daniel relacionara ao povo (vv. 5, 7, 17). Então, os próximos três versos desenvolvem-se em ritmo de três termos cada. A reflexão, aqui, trata a respeito do tema da santa cidade, e, portanto do tema do santuário; a reflexão é cúltica, envolvendo ideias específicas de justiça eterna,[24] unção do Santo dos Santos, etc.

Pode-se ver que há um paralelismo sintético entre as próprias estrofes, o qual o segundo elemento completa o primeiro: a primeira parte tem uma conotação negativa; o segundo tem uma conotação positiva. Portanto:

  1. “Para fazer cessar a transgressão” está em paralelismo com “para trazer a justiça eterna.” A transgressão é cessada ou “encerrada,” e segue-se ali, uma justiça eterna.
  1. “Dar fim [ḥtm] aos pecados” está em paralelismo com “para selar [ḥtm] a visão e a profecia,” com ḥtm sendo comum às duas estrofes.[25] Portanto, o selar da profecia –i.e., seu cumprimento– está relacionado com o selo e os pecados –i.e., seu perdão.
  1. “Para expiar a iniquidade” está em paralelismo com ungir um Santo dos Santos. Aqui, a relação não está evidente de início. Além do mais, a expressão “Santo dos Santos” é obscura. Refere-se ao lugar Santíssimo ou a uma pessoa? A posição desta estrofe –i.e., junto a Jerusalém/Santuário– exclui a última possibilidade. Por outro lado, a ausência do artigo antes de “Santo dos Santos” não apoia a interpretação de “lugar Santíssimo” (no Santuário), que ocorre regularmente com um artigo no AT. Ademias, podem designar os objetos sagrados que pertencem ao serviço do Santuário ou ao Templo inteiro.[26] Entretanto, este uso da expressão “Santo dos Santos” não nos ajuda a entendermos o significado intencionado no paralelismo presente.

É muito significante que a mesma associação dessas três noções –expiação (kpr), unção (mšḥ) e Santo dos Santos (qōḏēš qōḏāšîm)– encontra-se em Ex 29:36-37, a única outra referência bíblica que usa essas três expressões em conjunto. Esta passagem lida com a consagração de Aarão e seus filhos ao sumo sacerdócio (a mais antiga consagração de um Israelita ao sacerdócio). É significante que esta cerimônia consistia de uma expiação de um “Santo dos Santos” que fora marcada pelo número 7; a cerimônia era para durar 7 dias.

A acumulação de modelos e terminologia em comum entre a profecia das 70 semanas e esta passagem em Êxodo é, de fato, a mais intrigante. Podemos, agora, ver o relacionamento expresso no paralelismo entre a expiação e a unção de um “Santo dos Santos,” i.e., a consagração de um novo sumo sacerdócio.

A Visão

Em Daniel 9:25, o anjo continua: “considera, pois, a coisa e entende a visão.” Em hebraico, esses dois termos enfatizam a importância da passagem que se segue e ele apresentam a explicação. De acordo com o mesmo princípio de paralelismo, a mensagem é desenvolvida em três frases. Os próximos três versos podem ser organizados como no Diagrama 1 para que possamos compreender seu caráter simétrico.

O mesmo cenário dual encontra-se, também presente aqui. Mas, a extensão do tema “povo” está descrito na figura de um Messias, enquanto na linha do tema “Jerusalém,” o destino histórico da cidade é descrito em um detalhe mais preciso como para seu fim e fim do seu santuário.

A distribuição descrita aqui não é artificial, mas requer-se em razão da dualidade do momento que cruza o capítulo inteiro: (1) povo-pecado e (2) Jerusalém-Santuário. Justifica-se, também, identificando cada estrofe que se dirige a sua correspondente por meio de uma expressão comum: assim, as estrofes dizem respeito a Jerusalém (B1, B2, B3) que têm o termo ḥrṣ em comum, ao passo que as 3 estrofes dizem respeito ao Messias (A1, A2, A3) se referem, regularmente, a um tempo expresso em termos de semanas. Esta regularidade em usar uma expressão-chave em comum, três vezes em cada lado da descrição profética, indica, fortemente, que as 62 semanas (de A) dever estar conexas ao Messias em vez de Jerusalém. Portanto, a divisão deveria tomar lugar após as 62 semanas, não antes como o TM tem sugerido, mas, em vez disso, no modo como tem sido marcada na LXX, na Peshitta[27] e em Qumran.[28]

Diagrama 1. Estrutura Quiástica em Daniel 9:25-27.

A1 (v. 25a) edificação da cidade

Desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém,[29] até a “o”[30] Ungido, ao Príncipe, [haverá] 7 semanas e 62 semanas;

B1 (v. 25b) edificação da cidade

as praças e as circunvalações (ḥrs) se reedificarão, mas em tempos angustiosos.

A2 (v. 26b) a destruição do Messias Príncipe

 

Depois das 62 semanas, será morto “o” Ungido e já não estará;[31]

 

 

B2 (v. 26b) destruição da cidade e do santuário

 

e o povo de um príncipe[32] que há de vir[33] destruirá[34] a cidade e o santuário. O seu fim será num dilúvio, e até ao fim [do decreto (ḥrs)] haverá guerra; desolações são determinadas.

 

A3 (v. 27a) o cessar do sacrifício de da oferta

 

Ele fará firme[35] aliança com muitos,[36] por uma semana; na metade[37] da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares;[38]

B3 (v. 27b) destruição do povo do Príncipe

 

sobre a asa das abominações virá o assolador, até que a destruição, que está determinada (ḥrs), se derrame sobre ele.

Os dois temas do Messias e de Jerusalém são usados alternadamente, dando a esta seção sua composição interligada:

A1 Messias

B1 Jerusalém

A2 Messias

B2 Jerusalém

A3 Messias (aqui implícito)[39]

B3 Jerusalém

Podemos notar, também, o belo quiasmo temático entre os membros. Esta estrutura aponta a dialética destacável em termos de construção-destruição, como indicado no Diagrama 2:

Diagrama 2. A Dialética “Construção-destruição” em Daniel 9:25-27.

            O primeiro quiasmo:

A1                   Construção

māšîaḥ nāḡîḏ

(Messias Príncipe)

 

 

B1                    Construção

 

A2                   Destruição B2                   Destruição

                        ‘am nāḡîḏ

(povo do príncipe)

            O segundo quiasmo:

A2                   Destruição

                        māšîaḥ nāḡîḏ

B2                   Destruição
A3                         Destruição  

B3                   Destruição

                        ‘am nāḡîḏ

O profeta queria comunicar sua mensagem por meio da beleza da estrutura poética. Martin Buber está certo em notar que em hebraico, aqui, o Wie (“Como,”) e o Was (“O que”) estão confusos.[40]

  1. Termos e Expressões

Os termos e expressões que serão tratados aqui foram selecionados especialmente por causa da importância do papel eu eles tocam na interpretação da passagem e por causa que seus significados são, ainda, debatidos devido a sua obscuridade.

Min mōṣā’ dāḇār, “desde a saída da ordem”

Min mōṣā’ dāḇār pode se referir a yāṣā’ dāḇār (“saiu a ordem”) de Daniel 9:23, como se houvesse uma relação interna entre eles. De fato, o primeiro dāḇār (“ordem [dāḇār]”) de Deus, pertence a visão. No mesmo verso está em paralelismo com a visão:[41] bîn baddāḇār (“considera, pois, a coisa [dāḇār]” e wehāḇēn bammar’eh (“entende a visão”).

O primeiro dāḇār é palavra no céu, enquanto o segundo dāḇār destaca-se de um ponto de vista objetivo com a palavra na terra, o evento histórico correspondente à palavra de Deus. Este eco expressa a ideia da intervenção direta de Deus no que diz respeito a ordem [dāḇār] de construir e restaurar Jerusalém.

A ênfase que, portanto, é dada aponta diretamente ao decreto de Artaxerxes em vez dos decretos de Ciro e Dario;[42] pois o decreto de Artaxerxes não é, meramente, o terceiro e último decreto (desde que é o único a estar completo; pois diz respeito a construção do Templo, assim como da cidade administrativa e política de Jerusalém), mas é, também, o único decreto que é seguido por uma bênção e um louvor a Deus, e, de fato, o único decreto que faz alusão à intervenção de Deus: “Bendito seja o SENHOR, Deus de nossos pais, que deste modo moveu o coração do rei para ornar a Casa do SENHOR, a qual está em Jerusalém” (Esdras 7:27).

É significante, além disso, que desta bênção e deste louvor –esta reação de Esdras para com a ação de Deus– o texto passa da língua aramaica para a língua hebraica. O decreto de Artaxerxes gerou esta mudança, sugerindo que apenas daqui começou a restauração nacional.[43]

‘Am Nāḡîḏ, “o povo de um príncipe”

A estrutura da passagem sugere uma relação entre os dois nāḡîḏ’s presentes nele, como o Diagrama 2 indica. Este quiasmo aponta a uma oposição constante entre o māšîaḥ nāḡîḏ (“o Ungido, o Príncipe”) e o ‘am nāḡîḏ (“o povo de um príncipe” [44]): A1:B2; A2:B3. De fato, o segundo nāḡîḏ (ou “príncipe”) se opõe ao primeiro –como seu adversário e, também, como seu usurpador. Realmente, ele possui o mesmo nome e clama a mesma honra. É significante que o termo nāḡîḏ é aplicado ao líder de Tiro em Ezequiel 23:2,[45] o contexto o qual partilha muito em comum em termos e estrutura de pensamento com Daniel 9:24-27.[46] A passagem em Ezequiel é a única outra referência bíblica que carrega esta associação com o conceito de mšḥ, “ungir” (Ez 23:14).

De fato, o tema de um grande conflito em Daniel 9 entre os dois “príncipes” permeia o livro inteiro de Daniel e pertence a sua teologia básica.

Šāḇu‘îm, “semanas”

Que as 70 semanas tem de ser interpretada em termos de anos é indicado no próprio texto em si. A ligação que notamos entre as 70 semanas e os 70 anos decifra o termo “semana.” As duas expressões, šiḇ‘îm šānāh no v. 2 e šāḇu‘îm šiḇ‘îm no v. 24, apontam uma para a outra por meio do seguinte quiasmo:

šiḇ‘îm (70) šānāh (ano)
šāḇu‘îm (semanas) šiḇ‘îm (70)

O quiasmo elucida a natureza das semanas; assim como šiḇ‘îm é equivalente a šiḇ‘îm, šāḇu‘îm é equivalente a šānāh. Este esboço é paralelo ao encontrado fora do livro de Daniel,[47] em Ezequiel 4:4-7. O profeta Ezequiel, no exílio babilônico, tem uma visão concernente a destruição de Jerusalém em relação aos pecados do povo. O contexto teológico (os pecados do povo[48]), a configuração histórica (destruição de Jerusalém) e o local geográfico (exílio na Babilônia) recordam a situação em Daniel. Tanto para Ezequiel quanto para Daniel, a palavra divina aponta para um tempo. Este tempo é especificado em dias e a Ezequiel a ordem de conversão é dada explicitamente: um dia = um ano. Esta chave era certamente bem conhecida por Daniel; e em razão das similaridades entre as duas situações, somos levados a pensar que as nossas 70 semanas em Daniel se referem, também, a anos.

Se, aqui, adotarmos a pontuação do TM (“desde a saída da ordem … até ao Ungido, ao Príncipe, sete semanas … Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido”) é difícil ver como o Messias que apareceu após as primeiras 7 semanas (49 anos) seria morto 62 semanas depois, a saber 434 anos mais tarde. Naturalmente pode-se arguir que dois diferentes Messias estão representados, especialmente pelo fato que a pessoa do Messias é feita referência diferentemente em duas passagens: Na primeira ele é o māšîaḥ nāḡîḏ, enquanto na segunda ele é, meramente, designado com māšîaḥ. Como já temos visto, entretanto, que a estrutura da passagem dificilmente poderia apoiar esta alternância desde que sugere o efeito reverso sobre a mesma pessoa.[49]

O modo como esta expressão passa do definido (māšîaḥ nāḡîḏ) para o indefinido (māšîaḥ nāḡîḏ) tem uma correspondência simétrica em relação a cidade de Jerusalém: no v. 25, em conexão com māšîaḥ nāḡîḏ, encontramos a cidade, explicitamente, designada como “Jerusalém;” mas no v. 26, em conexão com māšîaḥ, encontramos, simplesmente, referida como “a cidade.” Portanto, tanto para a cidade quanto para o Messias, passamos do definido ao indefinido. Assim como é a mesma cidade Jerusalém, concluímos, também, que deve ser o mesmo Messias.

Há fortes razões, portanto, para pensar que a pausa original entre os segmentos numéricos no texto era após a expressão “62 semanas,” não antes dela. Portanto, a morte do Messias seguir-se-ia tão próxima após a sua aparência.

We’ên lô “e já não estará …”[50]

A expressão ’ên lô nunca é usada em qualquer outro lugar na Bíblia nesta forma absoluta. É sempre usada com um acusativo, implicitamente ou não, no sentido de “ele não será […]” ou “ele não tem […]” (ver Ex 22:2; Lv 11:10,12; etc.; e cp. ’ên yešû‘āṯāh lô, “Não há em Deus salvação para ele” em Sl 3:3). Essa é razão o porquê deve ser uma forma contracta de uma expressão maior ou mais completa. Deve-se observar que Daniel usa a forma mais completa uma única vez, Daniel 11:45, ’ên ‘ôzēr lô. Há uma razão forte, então, para pensar que ’ên lô de Daniel 9 é, de fato, a forma contracta de ’ên ‘ôzēr lô de Daniel 11.

Esta conclusão é reforçada quando consideramos a similaridade acentuada da preocupação entre as duas passagens. Em Daniel 11:45 alguém (o poder maligno) tem o seu fim quando se depara com a aparição vitoriosa de Miguel, que toma a causa de seu povo. Em Daniel 9:26, o Messias tem o seu fim quando se depara com o assassino vitorioso que destrói a cidade e o seu santuário. Ambas são ’ên [‘ôzēr] [traduzido na ARA como: “Já não estará” em Dn 9: 26 e “não haverá quem o socorra” em Dn 11:45]. O caráter simétrico das situações é, particularmente, sugestivo; elas ecoam uma a outra.

É interessante notar que a expressão “’ên ‘ôzēr lô” (“ninguém o ajudará”), ou sua foma abreviada ’ên ‘ôzēr (“ninguém ajudará”) ocorre seis vezes fora do livro de Daniel –sempre em um contexto similar de desespero e com uma perspectiva similar de salvação.[51]

Uma dessas ocorrência dirige nossa atenção em razão de sua conotação particular: Sl 22:12, que atesta a forma abreviada ’ên ‘ôzēr (“ninguém ajudará”).[52]

Neste Salmo, o termo ‘zr (“ajuda”) é usado duas vezes, nos vv. 12 e 20; e as duas vezes em associação com rḥq (“estar longe”). Mas rḥq ocorre em um total de três vezes. É, também, usado no v. 1 onde encontra-se associado com ‘zb (“abandonar”).[53] Temos, então, a seguinte estrutura de associação:

rḥq – ‘zb (v. 1)
rḥq – ‘zr (v. 12)
rḥq – ‘zr (v. 20)

Esta ferramenta estilística revela que o autor pretendia sugerir uma conexão entre os três versos e pelo mesmo simbolismo trazer à tona a correlação, em particular, entre os vv. 1 e 12: ’ên ‘zr (“ninguém ajudará”) que é a semântica equivalente de ‘zb (“abandonar”). Ambas as expressões estão associadas com rḥq.

Este jogo de palavras pode muito bem ter sido intencional, então, traçando uma conexão entre o ’ên ‘ôzēr do v. 12 e ’ēlî ’ēlî lāmāh ‘āzaḇtānî (“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”) do v. 1. Além do mais, não poderia a oração do Senhor na cruz, ’ēlî ’ēlî lāmāh šāḇaqtānî[54] (Sl 22:1), ser, também, interpretada como se referindo, indiretamente, à expressão de Daniel 9 “’ên ‘ôzēr lô”?[55]

  1. Dimensões Teológicas

Seria impossível afirmar em poucas palavras todas as implicações teológicas envolvidas nesta profecia. Além do que, os conceitos principais parecem cristalizar-se em três linhas de pensamento que estão proximamente relacionadas: levitismo, universalismo e escatologia.

Levitismo

Por detrás da profecia das 70 semanas podemos enxergar um contexto levítico. Isto é evidente a partir dos termos específicos principais que são usados –“pecado,” “Santo dos Santos,” “justiça,” “Santo,” “A Cidade,” “Jerusalém,” “oferta” e “sacrifício.”

A associação entre os 70 anos e as 70 semanas torna evidente que nosso texto aponta para os princípios levíticos do Jubileu. Por colocar sua profecia nesta perspectiva, Daniel revela seu contexto teológico.[56] Um certo número de ideias do Jubileu deve ser descrito. O Jubileu traz uma renovação; é uma nova criação. Tudo retorna ou volta[57] ao seu estado original. A terra retorna ao seu proprietário original (Lv 25:24-28) e os escravos hebreus são libertos (Lv 25:10). Então, a liberdade é proclamada pela terra e a todos os seus habitantes. Mas a economia levítica encontra-se especialmente envolvida, como a nossa passagem aponta, com a consagração máxima do sumo sacerdócio.

Liberdade, expiação de pecados, sumo sacerdócio, santuário e Jerusalém são temas familiares ao universo levítico. Entretanto, este particularismo não é a única característica da profecia; encontra-se alternado pela dimensão universalista.

Universalismo

A dimensão universalista de Daniel 9:24-27 torna-se evidente quando prestamos atenção ao modo como certos termos de nossa passagem são usados no restante do capítulo. Portanto, o termo ḥaṭṭā’ôṯ (“pecados”), que é usado em Daniel 9:24-27 em um sentido indefinido apontando ao universalismo, é SEMPRE usado nos vv. 1-23 em um sentido relativo (particularismo): “nossos pecados (v. 16), pecado do povo (v. 20), meu pecado (v. 20), [nós] temos pecado (v. 5, 8). O mesmo pode ser dito do termo ‘āwōn (“iniquidade”), que é, também, usado nos versos precedentes em um sentido relativo: temos cometido iniquidade (v. 5), nossas iniquidades (v. 13), iniquidades de nossos pais (v. 16). Este é, também, o caso como o termo ṣeḏeq (“justiça”), que é usado nos versos precedentes, unicamente, em referência a Deus: vv. 7, 14, 16 e 18.[58] O termo ḥāzôn (“visão”), que é usado nos versos precedentes uma única vez –haḥāzôn (“a visão”) no v. 21– aponta, aqui, a uma visão particular e definida. O termo nāḇî’ (“profeta”) ocorre, também, em um sentido definido nos vv. 2, 6 e 11.

O fato é notável: todos esses termos que são usados na oração em um sentido definido expressando uma visão particularista (“nosso,” “meu,” “do povo,” “de Deus,” etc.) são intempestivos, desde que eles aparecem no contexto das 70 semanas e usados em um sentido indefinido expressando um ponto de vista universalista.

Podemos, agora, entender o porquê o māšîaḥ, “Messias,” encontra-se indefinido –um caso absolutamente excepcional em uso no AT.[59] Na luz do que precede, e, em razão de sua particularidade,[60] o termo māšîaḥ não significa um Messias particular entre outros carregando uma certa missão, mas é, de fato, o Messias por excelência.[61] Consequentemente, não é de se surpreender que este Messias tem algo a ver com o rabbîm, um termo que tem uma forte conotação universalista.[62] Ele é o Messias de todos os povos. Este último aspecto teológico, em associação com o primeiro, que aponta para o Jubileu, introduz a dimensão escatológica de nossa profecia.

Primeiro, a ideia de uma escatologia está explicitamente indicada no último passo, ou estágio, da profecia (vv. 26-27) –na terminologia qēṣ (“fim”), yašḇît (“fazer cessar”) e kālāh (“fim”). Está implícita no prelúdio –em referência ao “cessar” da transgressão e o “selar” da visão. A preposição ‘ad, que ocorre uma vez em cada verso (vv. 25, 26 e 27), sugere, também, a ideia do tempo do fim –“até.”

Junto a este elemento escatológico encontra-se o conceito clássico de “determinado.” Já temos notado que em relação ao destino da cidade, a profecia está ritmada sobre o termo ḥrṣ.

Este aspecto de determinado encontra apoio adicional pelo elemento temporal da profecia. A numeração em semanas (70, 7, 63, 1 e ½), os termos sāḇu‘îm (“semanas”) e ‘ittîm (“tempos”) e a preposição i’aḥarê são uma base forte para isto e expressa a filosofia da história que permeia todo o livro de Daniel.

Como um aspecto escatológico, a passagem ressoa, também, ao grande conflito: o māšîaḥ nāḡîḏ (“Messias Príncipe”) encontra-se oposto ao ‘am nāḡîḏ (“povo do Príncipe”) e o “restaurar e construir Jerusalém” empreendidos em tempos de tribulação. Os termos milḥāmāh (“guerra”), štf (“dilúvio”) e ttk (“derramar”) são, particularmente, sugestivos da “violência” do real conflito que emerge em uma matança brutal yeḵārēṯ[63] e em desolação: šômēm, šômēmôṯ e mešômēm.

Levitismo, universalidade e escatologia constituem os três principais aspectos da teologia de Daniel 9:24-27, aqui, enfatizados. Eles são, ao mesmo tempo, códigos que podem nos ajudar a decifrar o significado da profecia das 70 semanas no que diz respeito ao seu cumprimento.

[1] Para um sumário dessas interpretações, ver I. A. Montgomery, “A Commentary on Daniel,” KC, pp. 390-401; and G. F. Hasel, “The Seventy Weeks of Daniel 9: 24-27,” Ministry, maio de 1976, pp. ID-21D.

[2] Então, baseia-se na LXX, que usa o termo hebdomades –compreendido como apontando ao simbolismo do número 7 e não a uma semana real– e, também, em razão do uso da forma do masculino plural de šābu‘im, em vez do feminino šābu‘ōt (o plural regular para “semanas”).

[3] Ver R. Anderson, The Coming Prince (London, l895), pp. 119-1 22.

[4] Ver L. Wood, A Commentary on Daniel (Grand Rapids, Mich., 1976), p. 253.

[5] Ver a lista de Hasel, p. 20D, nn. 126-132.

[6] Para a unidade do livro de Daniel, ver A. Jeffery, “Daniel: Introduction,” IB 6: 346; R. D. Wilson, “Book of Daniel,” ISBE 2: 784-786 e H. H. Rowley, “The Servant of the Lord and Other Essays on the Old Testament” (London, 1952), pp. 237-268.

[7] Vv 4, 17 e 20; nos vv. 4 e 20 Daniel e seus companheiros estão incluídos e o termo, aqui, significa a habilidade geral de compreender. Mas quando o verbo se encontra aplicado apenas a Daniel (v. 17), está, diretamente, relacionado a “visão” (ḥāzōn). Não é por acidente que este termo se comporta, exatamente, do mesmo modo como hēḇîn (ocorre pela primeira vez no capítulo 1 e reaparece apenas do capítulo 8 em diante). Nem é por acidente que esses dois termos são os dois termos-chaves do capítulo 8 (sete ocorrências de ḥāzōn e seis de hēḇîn no capítulo). Portanto, a mudança de linguagem (do hebraico para aramaico) não é a principal razão do fenômeno linguístico. A mudança repentina sem motivos aparentes desses dois termos nos capítulos 1-7 até a sua frequência maior no capítulo 8 não podem ser interpretadas como um acidente.

[8] Este fenômeno de eco entre a introdução e a conclusão de Daniel 9 será tratado abaixo.

[9] O questionamento de Daniel surge imediatamente após a menção deste tempo. O modo como o diálogo está articulado prepara para a questão: “wayōmer” (“e ele disse”); o anjo volta-se para Daniel e dá a ele o período de tempo, “wayehî” (“e eu vi”); “[e (waw consecutivo)] Havendo eu, Daniel, tido a visão, procurei entendê-la” (Dn 8:15).

[10] 8:27 coloca, também, a menção das 2300 tardes e manhãs em um futuro ainda distante. Assim pois a expressão do v.19, se refere a um fim “determinado” –i.e., o fim do mo‘eḏ (um tempo específico, a saber, o período da indignação; cp. 11:27).

[11] Este significado é apoiado pela literatura rabínica que usa o termo no niph‘al com o sentido de “amputado” (cp. m. Hul. 4:6). Além do mais, a maioria da ultilização desta raiz expressa esta ideia de amputação, relacionada a assassinato, etc. O denominativo ḥaṯiḵāh do verbo significa apenas pedaço, porção (cp. b. Hul. 31b, b. Ker. 17b, etc.). Ver, também, os termos cognatos hebraicos htr (Ez 8:8) e hth (Sl 52:7) que contêm a mesma conotação de cortar, perfurar, etc. Em linguagens cognatas, a situação não está clara. Acadiano atesta hatakum, traduzido como “entscheiden” na AHW, s.v. “ḥatakum,” 1:335. Ugarítico atesta a forma ḥtk no sentido de pai e filho (ver C. H. Gordon, Ugaritic Textbook [Rome, 1965], s.v. “ḥtk,” p. 399, n. 911). Em árabe, encontramos a mais interessante testemunha em conexão com o nosso interesse: ḥatak, “andar rápido, com passos curtos; cortar, raspar; Lane, ed., Arabic-English Lexicon [New York, 1956], s.v. “ḥatak,” bk. 1, pt. 2, p. 510, col. 3.

[12] Cp. Jr. 25:11 and 29:10. O período pode ser compreendido sendo de 605 A.E.C. a 536 A.E.C. inclusivamente. (Ver, e.g., SDA Bible Commentary, 3: 90-92,94-97, para uma discussão deste período de 70 anos).

[13] Cp. “Soixante-dix semaines d’annies,” Bib 50 (1969): p. 169. Cp., também, J. Steinmann, Daniel, Témoins de Dieu, 12 (Paris, l950), pp. 133-135; e A. A. Bevan, A Short Commentary on the Book of Daniel (London, 1892), p. 146.

[14] Divergimos, aqui, de Grelot, que entende a referência ao 70 como simbólico. Para ele, este número expressa a ideia de um certo tempo de desolação seguido pela visitação de Deus. Esta interpretação, todavia, é, dificilmente, apoiada tanto pela Bíblia como para a literatura do Antigo Oriente Médio. De fato, as únicas passagens as quais Grelot se refere, a saber, Zc 1:12 e Is 23:15-17, podem, de fato, estar relacionadas ao mesmo período histórico o qual é mencionado na profecia de Jeremias. Elas não podem, portanto, ser usadas como indicações distintivas do uso simbólico usado do número 70 (ver D. Winton Thomas, “Exegesis of Isa 23:15-17,” IB 5: p. 1062; G. W. Wade, The Book of the Prophet Isaiah [London, 1911], p. 155; e F. Delitzsch, Biblical Commentary on the Prophecies of Isaiah, BCOT [Grand Rapids, Mich., 1960], 1: p. 414).

O argumento que Grelot elabora da única testemunha da inscrição de Assaradão não é decisivo de modo algum. Este documento faz alusão a um oráculo de Marduque pronunciado contra a Babilônia quando Senaqueribe a destruiu em 689 A.E.C.:  “Tendo (sobre as mesas do destino) escrito 70 (???) anos de desolação [para babilônia], repentinamente, o deus Marduque aquietou-se e reverteu [os números]; logo, 11(???) anos” (J. Nougayrol, “Textes hepatoscopiques d’kpoque ancienne,” RA 40 [1945]: p. 65). Agora, se Assaradão, de fato, reconstruiu a cidade de Bailônia 11 anos após a suas destruição por Senaqueribe, como atestada pela história e como Grelot reconhece (cp. Nougayrol, p. 70, and Grelot, p. 174), há uma forte razão para supor que número 70, que é obtido por reverter caractere cuneiforme do número 11 é, puramente, acidental. Teria, dificilmente, sido escolhido, intencionalmente, em razão do seu simbolismo.

[15] Noldek e Bevan pensam que Jeremias é um midrash de Lv 26:34-35; note que os “7 vezes” do verso 28 (cp. Montgomery, p. 360; ver, também, Bevan, Commentary on Daniel, p. 146). Esta referência ao número 7 como uma chave para as 70 semanas pode, também, explicar a distribuição em (62 semanas), 1 semana (sete dias). O número 7 é cortado no início e no fim do período. O fato que o sistema é aplicável a qualquer número mostra que o número 70 tem sido escolhido em razão da sua realidade, não meramente a devido a seu conteúdo simbólico.

[16] Hasel, “Seventy Weeks of Daniel,” p. 6. See also R. H. Charles, The Book of Daniel (Edinburgh, n.d.), p. 104; Montgomery, p. 373.

[17] Isto se opõe à interpretação simbólica.

[18] Isto se opõe à interpretação crítico-histórica.

[19] Muitos comentaristas têm argumentado que Daniel 9:4-20 fora uma interpolação posterior; para a unidade do capítulo 9, incluindo a oração e a profecia das 70 semanas igualmente, ver o excelente artigo de B. W. Jones, “The Prayer in Daniel 9,” VT 18 (1968): p. 488; ver, também, O. Plöger, Das Buch Daniel (Gütersloh, 1965), p. 135; A. Jeffery, “Daniel: Exegesis,” IB 6: p. 484; N. W. Porteous, Daniel: A Commentary (Philadelphia, l96S), p. 136.

[20] Cp. página acima.

[21] A relação “fim-eternidade” deve ser notado.

[22] O termo hāzôn encontra-se, aqui, na mesma perspectiva cúltica como em Daniel 8:13-14. Há este termo encontra-se, de fato, associado com as temáticas significantes de ṣdq (“justiça”), qdš (“santo”), tāmiḏ (“diário”), pš‘ (“pecado”), šmm (“desolação”) que, indubitavelmente, pertence a terminologia do Santuário de Jerusalém.

[23] Nossa observação leva em consideração o número de termos em vez de sua tônica (métrica) por duas razões principais: (1) Por causa da natureza da tônica e o papel que toca na recitação, apenas o termo está correto. (2) A consideração da tônica como um meio de expressão do ritmo hebraico vem da premissa que

estão, principalmente, enraizados na confusão que em uma exposição “primitiva” da poesia que enfatiza o ritmo; isto é, o ritmo precede o pensamento consciente. De fato, na poesia hebraica, termo e significado precedem o ritmo, pois a poesia está acima de qualquer mensagem. Antigo Testamento, “se deve sempre ter em mente que não evidência intrínseca para métrica no hebraico do Antigo Testamento” (R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament [Grand Rapids, Mich., 1969], p. 97); cp., também, para a mesma opinião R. C. Culley, “Metrical Analysis of Classical Hebrew Poetry,” Essays on the Ancient Semitic World, ee. J. W. Wevers e D. B. Redford [Toronto,19701, pp. 12-28).

[24] Para a associação entre ṣdq e o santuário, ver especialm. Dn 8:14 and Sl 4:6; Sl 51:21; Sl 132:9; Is 61:3. Esta noção é, também, comumente, associada à cidade de Jerusalém (cp. Is 1:26; e ver F. L. Horton, Jr., The Melchizedek Tradition [London, 1976], p. 42-45).

[25] De fato, o qerê volta-se para a primeira estrofe htm, não ḥtm como encontra-se no texto. O que quer que seja, o significado é uma nuance sutil (“trazer a um fim”) e o jogo de palavras é conservado.

[26] Cp. Ex 29:37; Ez 43:12. A expressão ocorro 39 vezes, sempre em referência ao Tabernáculo ou o Templo como um todo.

[27] O estado dessas fontes nos permitem usá-las unicamente como um recurso e não como um argumento direto (cp. minha Introdução).

[28] Qumran atesta unicamente a exegese dos Essênios e não assegura a existência da pontuação presente (ver “Exhortation”, Damascus Document, MS A, 1: 4-11; cp., também, A. Dupont-Sommer, Les Ecrits esséniens découverts près de la Mer Morte [Paris, 1968], p. 137).

[29] Lidando com a temática de Jerusalém, esta sentença deveria estar classificada de outro modo. E a repetição de seus dois termos “restaurar e construir” em B mostra que pertence, de fato, a mesma fase de ação, portanto, à mesma porção literária. Eu coloquei em A em parênteses para facilitar o entendimento.

[30] Cp. p. 18.

[31] Cp. p. 18-19.

[32] Cp. p. 16.

[33] Eu penso que este uso presente de habbā’ (“a vinda”) tem de ser entendido no sentido em que recebe no capítulo 11. Ali o termo é sempre usado para descrever um exército em agressão, sem nenhuma referência ao futuro. Capítulo 11 usa este verbo dezessete vezes, sempre com essa conotação em particular. Ver especialm. a mesma forma habba’ em Daniel 11:16; também, o uso similar do mesmo verbo no livro de Ezequiel (cp. 1:4; 7:5; 20:29; 30:9; 33:3,6; etc.).

[34] O sujeito de yašbît (“destruir”) é, indubitavelmente, ‘am nagîd (“povo do Príncipe”) à luz de Daniel 8:24, que diz respeito ao mesmo problema; que usa a mesma forma e que tem como seu sujeito não os santos, mas o poder maligno (o chifre pequeno).

[35] O higbîr (“sucesso”) não meramente implica a ideia de força, mas, acima de tudo, implica a ideia de batalha e de vitória (o gibbôr é o herói que tem tido sucesso na guerra). Daniel 11:32-33, que lida com a mesma preocupação, claramente, sugere esta batalha por se opor aos maršî‘ê ḇerîṯ (“aos violadores da aliança”) e o maśkîlê ‘am (“os sábios entre o povo”) que fazem o rabbîm (“muitos”) entender (os dois termos ḇērîṯ [“aliança”] e rabbîm são comuns a Daniel 9:7).

[36] Podemos notar, aqui, que o rabbîm tem, em uma passagem messiânica, uma dimensão universal (ver Is 53:1-2). É significante que é usado pelos profetas majoritariamente para povos ou nações em referência a adoração a Deus. Em Daniel 11:2, a conotação de universalidades é clara; neste verso, tanto os bons quanto os maus são incluídos.

[37] Quando aṣî (“no meio”) está no estado construto com um período de tempo (aqui com as semanas), significa, sempre, “no meio” e não “metade” (ver Ex 12:29; Js 10:13; Jz 16:3; Jr 17:11; Sl 102:25; Rt 3:8). O contexto de nossa passagem não sustenta o significado de “metade”. Diz respeito com a ação definida (yašbîṯ  [“fazer cessar”] no imperfeito). Isto é, de acordo com a estrutura, relacionado a yikkārēt (“cortar fora”), implicando a ideia de repentinidade. A natureza desta ação (destruição repentina) aponta, portanto, a um momento específico no tempo (no meio da semana), em vez de uma duração de tempo (metade de uma semana).

[38] O termo yašbîṯ implica um efeito definitivo (cp. Dt 32:26). É significante que este termo é usado majoritariamente para designar uma cessação escatológica (ver, especialm., seu uso no livro de Ezequiel, que contém a maioria das ocorrências bíblicas (cp. Ez 7:24; 12:23; 16:41; 23:27; 23:48; 26:13; 30:50; 34:10; 34:25; etc.).

[39] Este pequeno parágrafo de estar relacionado ao Messias devido às seguintes observações: (1) a presença do tema das semanas, o termo-chave relacionado ao Messias; (2) o princípio da composição entrelaçada (Messias – Jerusalém – Messias – Jerusalém – Messias – Jerusalém); e (3) as noções de aliança e cessação das ofertas que emprestam as noções expressadas no verbo krt (cortar fora) do parágrafo messiânico precedendo (A1). Estes últimos são um simbolismo a mais de acordo com A2 encontra-se no mesmo nível de A1 e assim segue. De fato, o termo krt é uma alusão tanto a uma aliança (krt é um termo técnico que expressa o processo de aliança; cp. Ex 24:8; 34:27; Js 9:15; Ho 2:20; Jr 34:13; etc.) quanto a uma cessação. O termo krt transmite, já em A1, os dois significados teológicos da morte do Messias que encontramos, novamente, explicitamente, mencionados em A2 –a saber, a aliança pelo seu sacrifício, portanto, o fim dos sacrifícios.

[40] Schriften zur Bibel, Werke, Bd. 2 (Munchen, 1964), p. 1112. Tenho explorado este interrelacionamento particular entre a língua hebraica em sua expressão e o conteúdo que esta transmite em minha dissertação (“L’Hébreu en vie: Langue hébraique et civilisation prophétique. Etude structural” [Hebrew in Life: Hebrew language and prophetic civilization. Structural study]. [Ph.D. dissertation, University of Strasbourg, 1973]).

[41] Baseando-se em seu relacionamento com hāḇēn, min mōṣā’ dāḇār se refere, portanto, à visão. Esta conexão é apoiada pelo fato que a expressão é introduzida por “Sabe e entende (śkl)”, que pertence a mesma linha de pensamento que hāḇēn.

[42] Em relação a construção e a restauração de Jerusalém, a Bíblia registra, apenas, aqueles três decretos (cp. Ed 6:14). Ver 2 Cr 36:22-23 e Ed 1:1-4 para o decreto de Ciro; Ed 6:6-12 para o decreto de Dario e Ed 7:12-26 para o decreto de Artaxerxes.

[43] Isto se opõe à visão dispensacionalista.

[44] Estado construto; povo de um nāḡîḏ (“príncipe”).

[45] O fato intrigante é que esta é a única vez que Ezequiel usa o termo nāḡîḏ; em qualquer outro lugar ele, sempre, usa nāśî’ (de fato, a maioria das ocorrências nos AT de nāśî’ são encontradas em Ezequiel). Esta mudança repentina, única e irregular de nāśî’ para nāḡîḏ deve, portanto, ser intencional.

[46] šḥt, “destruição, corrupção” (28:8,17); yammîm, “mar” (28:8; cp. 27:34). A ideia do fim está, aqui, associada com água (em Daniel štf = “dilúvio”). Outros termos comuns são ḥtm, “selar” (28:12); mimšah, “querubim ungido” (28:14); behar qōḏeš ’elōhîm, “monte santo de Deus” (28:14,16); ḥt’, “pecado” (28:16); ‘āwōn, “iniquidade” (28:18); miqdāš “santuário” (28:18); šmm, “desolação” (28:19; cp. 27:35).

[47] A tradição judaica (B. Nazir 32b, Yoma 54a; the Midrash Rabbah, Eikah p. 34; etc.) e a literatura de Qumran (ver acima, n. 28) atestam, além do mais, a consistência desta interpretação (ver, sobre isto, J. Doukhan, Boire aux Sources [Dammarie-les-Lys, France, 1977], p. 93).

[48] O termo ‘āwōn (“pecado”) ocorre cinco vezes entre os versos 4 a 6.

[49] Cp. acima, p. 14.

[50] A tradução é literal.

[51] 2 Rs 14:26; Is 63:5; Lm 1:7; Sl 72:12; 107:12; 22:12 (v. 11 na versão em inglês).

[52] V. 11 na versão em inglês.

[53] É digno de nota que a mesma conexão de ideias se encontra atestada em outros lugares na Bíblia; ver 2 Rs 14:26, onde ‘zr está diretamente associado no paralelismo com ’ên ‘ôzēr leyiśrā’ēl (“nem quem socorresse a Israel”); a expressão é usada, aqui, em sua forma completa e não abreviada.

[54] A mudança pelo Senhor de ‘āzaḇtānî em šāḇaqtānî, acredito eu, é intencional e tem razões teológicas. A exposição deste assunto iria, todavia, além do escopo deste estudo.

[55] E isto encontra-se da seguinte maneira: ’ēlî ’ēlî lāmāh šāḇaqtānî (“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”) ’ên ‘ôzēr (“nenhum socorro”) →’ên ‘ôzēr lô (“nenhum socorro para ele”) → ’ên lô (“ninguém por ele”).

[56] Na oração, Daniel se refere, explicitamente, à Lei de Moisés no v. 11.

[57] O termo hebraico yôḇēl (“jubileu”) sugere esta ideia de trazer de volta.

[58] Esta é a única passagem que relaciona ṣeḏāqāh (“justiça”) com homens, mas de modo negativo –para apontar que ṣeḏāqāh não é de humanos, mas pertence a Deus.

[59] Através do AT, māšîaḥ é sempre usado com um artigo ou no estado construto relativamente a um Messias em comum, particular, específico. Quanto a 2 Sm 1:21, é, evidentemente, uma corrupção e deve ser lida de acordo com o contexto māšûaḥ (“unção”), que encontra apoio em diversos manuscritos (ver o aparato crítico da Biblia Hebraica, ed. R. Kittel [Stuttgart, 1937]).

[60] A escassez de artigos sobre o livro de Daniel não elimina esta observação. (1) Este caso é digno de nota na mudança significativa de “determinado” em “indeterminado” e inclui a observação da mudança do estado construto em estado absoluto. (2) O termo māšîaḥ é consistentemente usado em um sentido determinado, até mesmo, em contextos poéticos, embora esses últimos são poupados em artigos (ver Sl 2:2; 20:7; 28:8; Is 45:1; etc.).

[61] Isto vai contra a abordagem crítico-histórica.

[62] Cp. n. 8 com o diagrama 1.

[63] O termo ocorre na Bíblia para designar punição capital (cp. Nm 15:31; Lv 20:17).

1 comentário

  1. Wladimir Responder

    Olá Hugo, sou pastor em BH e mantenho o site Herança Judaica, poderia republicar alguns textos que você postou em meu site?

    Estamos também a quase um ano com um grupo de estudo judaico adventista em BH, o Rosh Reinaldo virá nos visitar no primeiro sábado de setembro de 2016.

    Grato,

    Wladimir.
    AMC – USEB

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